O Espírito Tradicional da Igreja - Por Vitor Manuel Adrião (trechos)

Independentemente da crise espiritual, antes, psicomental e psicossocial grassando hoje em dia no seio da Religião Católica por culpa exclusiva dos seus próprios dirigentes abertamente despossuídos de Espírito Tradicional, opondo o dogmatismo teológico cerrado sobre si mesmo ao pragmatismo livre da Sabedoria Iniciática das Idades, que afinal está na origem do próprio Catolicismo ou Universalismo que é o que significa este termo grego, pois tem por alicerces as doutrinas teúrgicas e taumatúrgicas Essénia e Gnóstica dos primeiros tempos da sua existência, irei neste estudo tomar por padrão aquilo que o Catolicismo deveria assumir de vez por ser a raiz oculta da sua existência espiritual, e assim provar que tal raiz ou raízes são francamente TEOSÓFICAS.

Comece-se pelo edifício da igreja ou “assembleia” de fiéis congregados na mesma para celebração da Santa Missa. Uma igreja é, por princípio, um centro magnético estabelecido num determinado ponto telúrico da superfície da Terra, no qual foram criadas condições especiais destinadas a permitir a livre passagem da Consciência, da Vida e da Energia do Mundo Espiritual ao Mundo Material, e deste, de retorno, àquele. Idealmente toda a pessoa deveria prover dentro de si estas condições, porém, no presente estágio da Evolução Humana só os mais adiantados estão aptos a atingir esse fim. O ideal de cada devoto católico é que, eximindo-se da necessidade de uma igreja externa, possa ele próprio tornar-se uma igreja corporal, levando a Consciência, a Vida e a Energia ao seu próximo, à Humanidade e cooperar na elevação do amor, da adoração e do culto ou serviço do Homem a Deus. Até que este ideal seja alcançado, onde que todo o homem e toda a Terra sejam um único Templo Universal, igrejas, sinagogas, mesquitas, pagodes, etc., serão necessários como canais reconhecidos no verter dos benefícios do Supremo Pai aos seus filhos que jornadeiam em sua longa peregrinação aqui neste Mundo.

Como muito bem diz Geoffrey Hodson (in O lado interno do Culto na Igreja. Editora Pensamento, São Paulo), o estabelecimento de um centro magnético espiritual, como o de uma igreja, reduz grandemente a resistência ao fluxo de Força Espiritual do Mundo Angélico e possibilita a presença e serviço dos Santos Anjos. Em princípio eles deverão encontrar ali um ambiente harmonioso, no qual são protegidos das vibrações desarmónicas da vida humana comum.

Ponte de ligação, donde pontífice, entre essas energias espirituais e a congregação dos fiéis, está o Bispo na cumeeira da hierarquia eclesiástica, exercendo função semelhante à do Vigilante Silencioso (que, na suprema instância, vem a ser o Deus AKBEL vigiando desde o Segundo Trono a boa marcha evolucional do Mundo) da boa ordem sacerdotal e doutrinal da Igreja. O seu próprio nome assim o indica, conforme a etimologia grega: epi, “seguro”, scopeo, “eu vejo”, donde episcopae, “bispo”, o vigilante, chefe ou guardião de uma diocese (dioikesis, “administração”). Assim, tem-se:

A manifestação de tais Consciências e Energias subtis efectua-se através da Missa, conforme a sua própria etimologia indica: messie, missus, que quer dizer “enviar, manifestar”… o Segundo Aspecto Solar do Cristo Cósmico na Terra, no seio da Assembleia dos Fiéis, isto é, na Igreja.

De acordo com J. M. Ragon (in La Misa y sus Misterios. Sevilha, Outubro de 1989), os autores litúrgicos distinguem várias partes na Missa: 1.ª) a preparação ou as orações que se dizem antes da oblação, sendo o que se denominava missa dos catecúmenos; a oblação e a oferenda que se estende desde o ofertório até ao sanctus; 3.ª) o cânone ou regra da consagração; 4.ª) a fracção da hóstia e a comunhão; 5.ª) a acção de graças ou post-comunhão.

No templo cristão, a igreja estruturada canonicamente para o efeito (pelo que improvisar em salões de espectáculos e afins vale tanto quanto nada, espiritualmente falando), o foco central onde se concentra a Fé e o Conhecimento, ou seja, o Magistério e a Tradição, vale dizer o Rito e o Dogma, é precisamente o altar-mor. Aqui se recebe e daqui se distribui a Força Divina (a Presença de Deus) a toda a congregação, sendo geralmente o sacerdote (sacrodôktos, “investido sagrado” ou “doutor no Sagrado”, pois todo o sacerdote é simultaneamente instrutor, ainda que nem todos os instrutores sejam sacerdotes, por não estarem consagrados para tal efeito, tal qual o sacerdote é sempre monge, mas nem todo o monge é sacerdote) assistido por dois acólitos: o diácono e o subdiácono. Neste caso, assessoram respectivamente as Energias dos 1.º, 2.º e 3.º Raios ou Linhas de Forças Hipostáticas promanadas da Santíssima Trindade, como sejam o Pai (1.º Logos), o Filho (2.º Logos) e o Espírito Santo (3.º Logos), Uno em Consciência e Trino em Energia, logo, UNO-TRINO. Quando se trata de Missa Maior promovida pela diocese e assessorada pelo bispo, este tem como acólitos dois sacerdotes e quatro diáconos, perfazendo pela ordem hierárquica os Sete Raios de Luz, os três primeiros de Atributo e os quatro restantes Subsidiários, canalizando as Energias Cósmicas dos Sete Espíritos Diante do Trono, Este materializado no Altar, e Aqueles nas Sete Lâmpadas ou no Candelabro de Sete Bocas acesas.

Não são poucos os que hoje em dia, desapercebendo completamente o sentido do Ritual e a eficácia da sua mecânica litúrgica, vêm a opor-se tanto a ele como a qualquer orgânica expressiva de ORDEM e REGRA, o quem sem estas restam a DESORDEM e DESREGRA. Impuberdade espiritual de quem muito presume na prosápia da ignorância «esclarecida» que não possa de auto-convencimento. Sobre este assunto e tomando por base o poema Cavaleiro Monge, de Fernando Pessoa, tive oportunidade de proferir num carta privada redigida ainda este ano de 2010:

«Quanto ao poema de Fernando Pessoa, “Cavaleiro Monge”, datado de 1932, vem a ser parte doutros poemas místicos feitos na mesma época pelo autor, nomeadamente “À sombra do Monte Abiegno”. Neste poema em questão, Fernando Pessoa vem a realçar a necessidade da ritualística como meio de realização individual e, também, grupal, pois se a evolução é feita exclusivamente pelo próprio, contudo o trabalho em grupo é uma ajuda preciosa e imprescindível onde uma parte comata as acaso necessidades mentais, emocionais ou físicas da outra, e assim tudo acaba ficando em pé de igualdade, para que no Templo UM E TODOS sejam Mental, Emocional e Fisicamente UMA SÓ UNIDADE!

«Mesmo assim, a evolução pessoal à pessoa pertence, e evoluindo pessoalmente vai afectar positivamente a evolução do grupo. É o UM POR TODOS E TODOS POR UM! Isto é que é a Verdadeira Iniciação, onde os processos exteriores vêm a reflectir as transformações interiores. Na realidade, o Santo Ritual, com toda a sua panóplia de SÍMBOLOS feitos VIVOS pelo(s) interveniente(s), é a expressão externa das realidades interiores a ver exclusivamente com o Mundo Espiritual de que participa o ritualístico segundo a característica que a doutrina ou ensinamento lhe dá. Por isso o Ensinamento Teúrgico sobre o Caminho Iniciático é diferente do de outras correntezas de pensamento místico, pois que cada um afiniza-se com o Mundo Espiritual conforme o tom natural das suas apetências psicomentais.

«Ainda assim, há quem diga que o Ritual é prescindível e basta a interiorização mística da consciência imediata. Poderá ser… mas é falha e muito. Pois o RITUAL expressa canonicamente o RITMO da Matéria e só por ele se alcança a VIBRAÇÃO do Espírito. Sem Ritual a comunhão e comunicação com o Espiritual inexiste, pois não há outra maneira de estabelecer a ligação entre RITMO e VIBRAÇÃO para que, canónica e regularmente, da fusão das duas haja a divina HARMONIA. Sem Ritual não se entende nem se comunga directamente do Espiritual, não no sentido INDIVIDUAL mas no UNIVERSAL. O Espírito no Homem participa directamente, por via do Santo Ritual, do Espírito Universal de quem ele é parcela. Por isso se fala em ATMÃ PARCIAL e ATMÃ UNIVERSAL.

«Fernando Pessoa, nesse poema importantíssimo, retrata o Iniciado como TEMPLÁRIO, o “Cavaleiro Monge”, donde a necessidade do Ritual como meio de evolução pessoal e grupal, repito. Pois bem, a Iniciação Menor ou Humana está expressa no “Vale”: é a realização da Personalidade Psicomental. A Iniciação Maior ou Espiritual está expressa na “Montanha”: é a realização da Individualidade Atabimânica ou da Tríade Superior, Espiritual. Esta representa-se no próprio Cavaleiro; aquela, no Cavalo. Ambos “por penhascos pretos, atrás e defronte, caminhais secretos”, isto é, enfrentando os seus próprios “demónios”, as suas nidanas ou vicissitudes fatais porque impeditivas da evolução verdadeira da Consciência, avançam “secretos”, anónimos, numa batalha só sua, onde o cavalo deve finalmente ser dócil ao cavaleiro, ou seja, a Personalidade alinhada, integrada à Individualidade.

«Por isso é que no poema constituído de 5 septetos, no final da cada um está a resposta:

1)      Caminhais aliados (interligados)

2)      Caminhais secretos (interiorizados)

3)      Caminhais libertos (independentes)

4)      Caminhais sozinhos (distintos)

5)      CAMINHAIS EM MIM!

«Isto é, “fazeis parte de Mim”, no sentido de Eu, de Consciência Imortal que sendo UNA (Individualidade) como Espírito, carece da MULTIPLICIDADE (Personalidade) para se manifestar objectivamente. Realmente, feita como está a composição, não deixa de ser um «cavalo secreto», isto é, uma CÁBALA GEMÁTRICA ou Fonética, tal qual a “Fala dos Pássaros” de que o Corão fala, ou seja, a VOZ ANGÉLICA ou da INTUIÇÃO DIVINA.

«O TEMPLÁRIO em sua dupla função, é CAVALEIRO ou GUERREIRO (TRIBUTÁRIO) que faz “Guerra Santa “ (Al-Fatah) sobretudo a si mesmo, à sua poderosa e predominante parte mortal. Aqui se enquadra o LABORA. Também é MONGE ou TEMPLÁRIO demandando o Saint Vaisel, o SANTO GRAAL na formação da sua parte imortal. Nisto entra o ORA… ORA ET LABORA é o LABORATORIUM onde se realizam as mais finas especializações espirituais no acto permanente de TRANSFORMAÇÃO da consciência mortal na Inconsciência imortal até então adormecida ou latente, em semente “mais pequena que a cabeça dum alfinete”, mas que com a “alimentação” que o “Cavaleiro” lhe dá acabará por tornar-se Pleniconsciência Divina, imposta à imediata consciência mortal, porque passageira, transitória entre encarnações.

Para Charles Leadbeater (in A Ciência dos Sacramentos. Paris, 1926), o plano de uma igreja ideal é o seguinte conformado às antigas proporções dos cânones geométricos, tanto valendo por Geometria Sagrada:

As vantagens desse plano ou esquisso são as seguintes: o altar é visível de todas as partes da igreja; o celebrante está próximo dos fiéis; o coro está de lado para a assembleia podendo, por conseguinte, conduzir melhor os cânticos; a nave está comodamente conseguida, simbolicamente bem disposta e permitindo às procissões passarem realmente na assembleia. Por outro lado, uma igreja quadrada facilita a formação satisfatória de um edifício eucarístico.