Os Irmãos da Rosa-Cruz

A misteriosa Ordem da Rosa-Cruz continua sendo um problema para o estudante. O esplendor de sua filosofia ainda não declinou, e grande quantidade de literatura contraditária e relativa à Ordem foi acumulando-se. Muitos afirmam que a Ordem nunca existiu e que seus famosos manifestos não passaram de uma anedota que alguns zombeteiros sem escrúpulos apresentaram à Europa; outros dizem que a sociedade existiu, mas, foi apenas uma obscura seita luterana que, dessa forma, habilmente deu publicidade às suas opiniões; outros, ainda, pensam que foi uma autêntica escola de sabedoria, na qual se transmitia profundos conhecimentos dos segredos da vida a alguns poucos que estivessem preparados, por meio de longa disciplina, para recebê-los.

A História Tradicional da Rosa Cruz

    A história tradicional de Christian Rosenkreutz está contida na Fama Fraternitatis, mas, obviamente não pode ser aceita literalmente tal como se apresenta. Tem a clara intenção de comunicar um significado alegórico e místico, como todas as histórias tradicionais das escolas místicas e, apesar de que certos fatos históricos estejam bem adaptados à trama, só podem ficar subordinados à verdade que o autor procurou transmitir. Orígenes, em seu De Principiis, afirma, com clareza, o princípio usado nos mistérios:

    "Quando a Palavra achou que as coisas feitas de acordo com a história podiam ser adaptadas a esses sentidos místicos, fez uso delas, ocultando à multidão seu significado profundo; mas quando, na narração do desenvolvimento de coisas suprasensuais, não ocorriam aqueles acontecimentos que já tinham sido indicados pelo significado místico, o Livro Sagrado entrelaçou , na história, o relato de algum evento que não aconteceu: às vezes o que não pôde ter sucedido, às vezes o que pôde, mas não ocorreu."

    Esse é um dos métodos pelos quais os ensinamentos secretos estão protegidos do profano, que os descarta pensando que, como história, não têm interesse nem são exatas, pois, não percebe seu significado oculto.

    A Fama Fraternitatis, que se admite conter apenas uma tradição, escrita muitos anos após a ocorrência dos acontecimentos narrados, conta-nos como nasceu Christian Rosenkreutz, em 1378, de pais pobres, mas fidalgos, e como ingressou em um mosteiro quando era criança. Diz-se que, jovem ainda, viajou ao chipre com um Irmão P. A. L., que morreu ali. Então, Christian cruzou a Palestina e, com dezesseis anos, entrou em contato com os sábios de Damcar, na Arábia, que o receberam não como a um estranho (como lhe pareceu), mas como alguém esperado há muito tempo. Chamaram-no pelo seu nome e ensinaram-lhe outros segredos que ele não sabia e diante dos quais não pôde deixar de se maravilhar profundamente.

    No Chipre, aprendeu árabe, traduziu o livro M. para o latim, que depois, trouxe à Europa e pelo qual Paracelso se interessou, segundo se diz; dali viajou ao Egito e a Fez, para familiarizar-se com os "habitantes elementares, que lhe revelaram muitos de seus segredos".

    Conta-se que o fundador da Ordem partiu de Fez e cruzou a Espanha, onde ofereceu seu conhecimento aos eruditos, mas, "para eles, aquilo foi motivo de riso". Então regressou à Alemanha, seu país natal, decidido a gradualmente lançar ali as bases da fraternidade que estava destinada a reformar a Europa. Escolheu três Irmãos de seu próprio mosteiro para serem os primeiros rosa-crucianos, aumentando posteriormente esse número para oito, unindo-os por meio de certas regras definidas.

    Os Irmãos depois se espalharam pelo mundo, exceto dois, que permaneceram com o chefe da Ordem. Chegada a sua hora, Christian Rosenkreutz morreu e foi sepultado, de forma muito secreta, em um túmulo preparado para ele, cuja localização permaneceu oculta inclusive para os membros da fraternidade.

    Mais tarde, ao que parece, um acidente revelou a entrada da tumba, sobre a qual, em grandes letras, lia-se: Post CXX Annos Patebo, ou seja, "Depois de cento e vinte anos me apresentarei." No meio do sepulcro brilhava uma estrela resplandecente, e sobre o altar do centro da abóbada estas significativas palavras foram gravadas: A.C.R.C. HOC universi compendium unius mihi sepulchrum feci, isto é, "Fiz desta minha tumba um compêndio do universo." Atrás do altar foi encontrado "um formoso e admirável corpo (...) com todos os ornamentos e vestes. Em sua mão tinha o pergaminho chamado T.; o qual, depois da Bíblia, é nosso maior tesouro, que não deve ser entregue à censura do mundo". Foram descobertos ainda vários objetos ("espelhos de diversas virtudes, sininhos, luminárias e, principalmente, canções artificiais") e o mais importante de todos, o secreto Livro M. e outros volumes, incluindo alguns de Paracelso, o filósofo e alquimista do século XVI.

    Tal história tradicional de Christian Rosenkreutz, segundo consta nos documentos da Ordem. O estilo da narrativo mostra, obviamente, que não pretendeu ser um relato histórico, apesar de conter detalhes verídicos. Está claramente delineada como uma alegoria para expor certas verdades ocultas diante daquelas que têm os olhos abertos.

A História da Ordem

    Apesar das afirmações de eruditos e da ausência de evidências comprobatórias, Christian Rosenkreutz foi realmente uma encarnação desse poderoso Mestre da sabedoria a quem hoje reverenciamos como o Chefe de Todos os Verdadeiros Maçons. Nasceu em 1375, três anos antes da data mencionada em Fama, e foi enviado, quando ainda era muito jovem, a um solitário mosteiro na divisa da Alemanha com a Áustria, onde recebeu educação e treinamento. À maneira de muitas comunidades como essa durante a Idade Média, o mosteiro conservou uma tradição secreta e seus monges, dedicados à meditação, possuíam um autêntico saber espiritual e oculto. Ali, Christian Rosenkreutz estudou esses profundos segredos da Natureza, dos quais a química é apenas a camada externa, essa alquimia que tem como objetivo principal a transformação do chumbo da personalidade no ouro do espírito, e apenas secundariamente se ocupa da transmutação dos metais e da confecção de jóias. Christian Rosenkreutz começou, então, a viajar e, após atravessar a Alemanha, a Àustria e a Itália, finalmente chegou ao Egito, onde fou recebido pelos Irmãos da Loja egípcia da Fraternidade Branca, à qual ele havia pertencido em vidas passadas.

    No Egito, Christian Rosenkreutz foi recebido em todos os graus dos mistérios egípcios, que haviam sido conservados pela Loja Branca na sucessão direta dos hierofantes da Antiguidade. Por meio dele, podemos encontrar os vestígios de uma das mais importantes linhas genealógicas, a qual, finalmente, incorporou-se no Rito Escocês Antigo e Aceito. Entre outras coisas, ele adaptou e traduziu do egípcio para o latim esse ritual da Rosa-Cruz ao qual já nos referimos, que se converteu no protótipo da cerimônia da perfeição trabalhada nos capítulos soberanos da Co-Maçonaria da atualidade.

    Ao regressar do Egito, Christian Rosenkreutz fundou a Ordem da Rosa-Cruz, escolhendo aqui e ali um Irmão digno de ser posto em contato com os secretos mistérios do Egito e com o profundo conhecimento que estes continham. A Ordem sempre foi limitada em número de membros, trinta ou quarenta no máximo, mas tinha uma influência enorme sobre a tradição secreta na Europa e, decerto, formou uma escola ocidental por meio da qual fosse possível ser conduzido diretamente à Loja Branca. Em dias posteriores, parte dos ensinamentos e do ritual dessa escola passou para mãos exclusivas, e é por meio de uma dessas corporações semi-exóticas que o Ritual Rosa-Cruz foi transmitido, sob a custódia do Conselho de Imperadores do Oriente e do Ocidente.

    Durante sua passagem por mãos desconhecedoras de seu verdadeiro significado, esse ritual sofreu muita distorção, estando, por um lado, mesclado ao Cristianismo protestante, como nos trabalhos americanos e ingleses, e, por outro, racionalizado além de toda possibilidade de reconhecimento, sob os auspícios do Supremo Conselho da França. Em nossa Ordem Co-Maçônica, temos o grande privilégio de usar, por ordem do Chefe de Todos os Verdadeiros Maçons, uma tradução inglesa de seu cerimonial latino original, e acredito que podemos dizer, sem exagero, que é um dos mais belos rituais da Rosa-Cruz.

    O grau de Rosa-Cruz, como afirmamos anteriormente, é essencialmente um grau do Cristianismo, que se ocupa de despertar do Cristo místico inerente ao coração, o Amor oculto que é o coração da rosa mística e que só pode ser reconhecido quando se coloca o coração sobre a Cruz do Sacrifício. Porém, originalmente não tinha o propósito de ser um apêndice do Cristianismo, como atualmente ocorre na Inglaterra, mas, sim, um independente canal sacramental, através do qual o Senhor do Amor pudesse disseminar sua bênção sobre os iniciados de todas as religiões, pois foi fundado milhares de anos antes que o discípulo Jesus nascesse na Palestina. Dessa maneira, embora seja Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o que se adora na Rosa-Cruz, o Cristo cujo Amor é vertido nos Soberanos Capítulos de Heredom, em nosso ritual co-maçônico falamos dele somente como o Senhor do Amor, e não sujeitamos nossos Irmãos especialmente às doutrinas da última grande religião que ele fundou pessoalmente neste mundo, pois, ele é o Senhor de todas as religiões por igual, e a Rosa-Cruz não é menos sua do que o glorioso sacramento da Igreja oferecida por Ele há dois mil anos.

    A original Ordem da Rosa-Cruz existe até hoje em máximo segredo, e, embora seja desconhecida no mundo exterior, seus mistérios ainda são transmitidos no plano físico e ela continua conservando os antigos segredos de cura e magia que seu Ilustríssimo Soberano introduziu no século XV, trazidos da Loja egípcia. Apenas poucas pessoas, além dos altos iniciados da Loja Branca de onde surgiu, são admitidos na Câmara do Espírito Santo. Muitos afirmaram, e seguem afirmando, que pertencem a ela, mas, a Rosa-Cruz é muito independente de várias ordens e sociedades, tanto abertas, quanto secretas, que usam seu sagrado nome no presente século. Na maçonaria, entretanto, herdamos uma parte de seu ritual e uma parcela de sua tradição oculta, embora pequena, e os poderes sacramentais da Rosa-Cruz ainda brilham em alguns de nossos graus superiores do Rito Escocês Antigo e Aceito. Existe, assim, uma boa razão para que os modernos maçons tenham deduzido alguma afinidade com a Rosa-Cruz e para que esta tenha exercido uma influência tão fascinante sobre as mentes humanas desde que, pela primeira vez, ouviu-se a seu respeito, no século XVII.

    A Rosa-Cruz é o grau mais próximo de "um grau superior" que existiu no Egito antigo; de fato, podemos dizer que, para toda intenção e propósito, ela era um grau superior, embora nunca tivesse se denominado assim. Expliquei que no Egito, há milhares de anos, existiram três grandes Lojas que diferiam das demais em seus objetivos e trabalhos, e foram essas três Lojas que, em certas datas pré-fixadas, ano após ano, se encarregavam de inundar a Terra com força espiritual, por meio do magnífico ritual de Construção do Templo de Amon. Os Irmãos, ao executarem esse sagrado dever, mostravam sua solidariedade com a Maçonaria ordinária abrindo a Loja em primeiro grau e elevando-a tão rapidamente quanto fosse possível ao terceiro grau, antes de começarem seu maravilhoso trabalho. Nas comparativamente raras ocasiões em que tinham de admitir algum candidato cuidadosamente selecionado de alguma Loja especulativa, não a abriam em Maçonaria Azul, mas, entravam diretamente com essa cerimônia da Rosa-Cruz.

    O ritual precisou ser ligeiramente modificado no século XVIII para harmonizar-se com o sistema de graus superiores usados na ocasião; foi necessária muita meditação antes que fosse adotado. Além disso, a lista e a explicação daqueles graus foram acrescentadas e, também, a referência a Jerusalém. A Palavra, que na moderna Maçonaria decaiu a simples iniciais, era então em si mesma uma viva "palavra de poder", impregnada do mais profundo significado, embora um duplo esquema de iniciais fosse também utilizado. Tudo isso necessitou e recebeu a mais perfeita atenção quando foi feita a tradução do egípcio para o latim. Não podemos deixar de admirar o maravilhoso talento que, enquanto mudava a linguagem, a ordenava para deixar praticamente inato o som, a forma e uma elaborada tríplice série de significados, um dentro do outro. As adições do século XVIII prolongaram consideravelmente a cerimônia, mas, são congruentes com a parte antiga, de modo que ainda retêm sua beleza transcendente. Todas as principais características do grau - a rosa, a cruz, o cálice, o sacramento - são exatamente as mesmas de milhares de anos atrás.

Livro: A História Secreta da Maçonaria - C. W. Leadbeather