Neopaganismo e os super-heróis

A origem humanista da filosofia neo-pagã na verdade não é recente, mas remonta às idéias de Nietzsche, que defendia a total liberação do homem de quaisquer restrições morais religiosas; e que em Der Antichrist (O Anticristo), condenou abertamente o cristianismo, o qual ele julgou sobretudo através da corrupção que ele identificava na igreja romana da sua época: “Eu finalmente chego à conclusão e pronuncio o meu veredicto. Eu condeno o cristianismo, eu levanto contra a igreja cristã a mais terrível acusação jamais pronunciada.”

O verdadeiro pensamento neo-pagão nasceu na Europa e defende não um simples retorno ao politeísmo primitivo, mas acima de tudo a liberdade de cada povo escolher a sua própria religião. Crêem que existem vários caminhos que levam à realização espiritual, que Deus é imanente e que não existe uma verdade absoluta e portanto, uma moralidade absoluta como aquela pregada pelo cristianismo. A natureza amoral dos deuses pagãos permite ao neo-pagão viver livre das restrições morais e, a longo prazo, procurar não o aprimoramento moral; mas o das suas qualidades humanas intelectuais, psicológicas e biológicas.

Praticam entretanto, o culto aos antigos mitos pagãos europeus, como os normandos, os celtas e os germânicos, com grande interesse especialmente no druidismo e no odinismo. Adotam hoje as celebrações simbólicas e festividades comunitárias de adoração à natureza e à energia natural; como um desafio à supremacia religiosa judaico-cristã, a qual buscam substituir. Afirmam buscar não um retorno ao passado, mas uma nova abertura às suas raízes culturais. É necessário lembrar que este rancor cultural contra o cristianismo foi o mesmo que deu origem, em 1933, ao nazismo, que era uma forma de paganismo nacionalista; mesclado com idéias deturpadas de evolucionismo, o qual culminou na terrível política anti-semita, cujas conseqüências são ainda hoje execradas.

O neo-paganismo que se difundiu nas Américas, entretanto, sobretudo nos Estados Unidos, tem um caráter menos filosófico e mais utilitário. As Américas não possuem uma herança cultural pagã tão forte quanto a Europa, tanto geográfica quanto historicamente. As antigas civilizações maia, inca e asteca quando não estavam bastante separadas no tempo, estavam muito separadas no espaço e assim não constituíram um legado cultural uniforme para os atuais povos das Américas, cuja história cultural tem origem na cultura de seus colonizadores europeus. Por este motivo, o neo-paganismo na América se desenvolveu mais em torno das religiões orientais, popularmente difundidas pelo movimento hippie da década de 1960.

A mídia cultural norte-americana começou a difundir a filosofia neo-pagã através dos chamados comic books, ou histórias em quadrinhos, a partir de 1938, com o lançamento nos Estados Unidos de Superman, o herói dotado de super-poderes que veio a se tornar o primeiro mito moderno. O conceito de dupla identidade, ou seja, um homem comum que possui uma segunda identidade dotada de super-poderes, veio estabelecer o mito do herói popular como uma alternativa neo-pagã à idéia de Deus. Depois de Superman, seguiram-se outros tantos super-heróis semelhantes, popularizados pela Marvel Comics, a partir de 1941, com a publicação de Captain America. Certamente era necessário que a cultura neo-pagã criasse um substituto para a idéia de Deus; pois conforme o próprio Nietzsche constata em 1882 em Die fröhliche Wissenschaft (A Gaia Ciência), para o novo mundo secularizado pelas idéias iluministas do século 18, Deus estava morto e os próprios homens o haviam matado.

A filosofia neo-pagã é hoje aberta ou sutilmente difundida através da arte, sobretudo na literatura e no cinema e atinge todos os públicos, desde o infantil; através de obras como Harry Potter, de 2001 e The Golden Compass (A Bússola de Ouro), de 2007; o público jovem, através de filmes como Fantastic Four (O Quarteto Fantástico), de 2005, Hellboy, de 2004 e seriados como Heroes, de 2006; até o público adulto, através de seriados ingênuos como Bewitched (A Feiticeira), de 1964, ou intrigantes, como Lost, de 2004 e de filmes de conteúdo mais profundo, como Matrix, de 1999. Alguns artistas mundialmente conhecidos e popularmente chamados superstars, têm contribuído significativamente para a divulgação das filosofias e práticas neo-pagãs, como a atriz Shirley MacLaine, através da série Out on a Limb, de 1987 e de suas várias obras literárias; o ator Tom Cruise, que dá seu aval pessoal à doutrina da Cientologia e a cantora Madonna, que divulga a Cabala.

Estas obras não induzem necessariamente as pessoas a se envolverem com religiões ou seitas neo-pagãs; mas reforçam sem dúvida os sentimentos anti-cristãos, incutem a dúvida intelectual entre os simpatizantes do cristianismo e de outras religiões e afrontam; às vezes abertamente, a igreja e os princípios cristãos. O resultado final da apologia cultural ao neo-paganismo é sem dúvida, o afastamento da sociedade pós-moderna do Deus único e verdadeiro.